segunda-feira, 14 de abril de 2008

4ª Parte - Infâncias destruídas

A FUGA DA MINHA TIA MARTA

A filha mais velha do meu avô materno, que se chamava Marta, era muito bonita e cheia de encantos. Um dia, ao passar por sua fazenda, um homem do Estado da Bahia viu Marta, caiu de amores por ela e pediu-a em casamento ao meu avô. Apesar dela, na altura, ter apenas 12 anos de idade, o meu avô aceitou o pedido de casamento sem pensar duas vezes, pois ele próprio tinha feito o mesmo com a minha avó.

É claro que a Marta ficou desesperada e fugiu na mesma noite com a ajuda de dois dos irmãos mais velhos para um local que distava alguns quilómetros de sua casa. Eles fizeram um buraco no chão coberto de palhas para ela se esconder e levavam-lhe, todas as noites, água e comida depois de meu avô ter adormecido, sempre acompanhados por um dos cães da fazenda que adorava a Marta.



Mas passados alguns dias, em busca da Marta, o meu avô Frederico, descobriu que o cão não saía de uma certa zona da mata. Então ao aproximar-se mais do local onde o cão se encontrava, e chamando-o, percebeu que o cão não queria ir ter com ele, como se estivesse dividido entre querendo ir ter com o seu dono e ficar a guardar algo.

Foi desta forma infeliz que a coitada da Marta foi descoberta pelo seu pai insensível e mau, porque o cão acabou por denunciar involuntariamente a localização do referido buraco.



No dia seguinte, a Marta foi entregue ao fazendeiro pretendente e casaram ali mesmo, na fazenda, antes de partirem em direcção ao Estado da Bahia. Parece inacreditável que os padres casassem crianças tão pequenas com homens tão mais velhos mas, na altura, a lei da bala falava mais alto e era o domínio ditatorial dos coronéis que imperava.



Como é hediondo que uma mulher seja tratada assim como uma escrava pelo seu próprio pai, sem a mínima consideração pelos sentimentos da sua filha, que é sangue do seu sangue, e que tanto deveria amar…

Longe de sua família, Marta teve 4 filhos, e vivia miseravelmente infeliz pelo destino que lhe havia sido atribuído sem apelo nem agravo.



Todavia, ainda muito jovem, apaixonou-se por um empregado de seu marido que trabalhava na fazenda onde viviam. Envolvidos numa forte paixão, resolveram fugir em direcção ao Estado do Paraná, para refazerem as suas vidas, e ela deixou para trás o seu marido e filhos.



No entanto, pela casualidade do destino, Marta, sem saber, foi morar no mesmo vilarejo que a família dos seus pais, que não via há mais de 30 anos. Com efeito, os seus pais também haviam mudado do Estado do Ceará para o Paraná, a mais de dois mil quilómetros de distância.

Com o passar dos anos o meu avô começou a gastar demasiado em jogos e bebedeiras com os amigos e, com a ajuda da desvalorização da moeda brasileira, perdeu quase tudo o que tinha. Quando veio do ceará para o Paraná deixou de ser patrão para ser empregado. Desde então nunca mais se ergueu na vida.

Quando a Marta regressou ao Paraná foi morar para uma rua acima daquela onde os seus pais estavam a morar, sem fazer a mínima ideia. Um certo dia, o seu segundo marido, fez amizade com um dos irmãos mais novos de Marta, tendo calhado em conversa que tinham regressado do Estado da Bahia e que a mulher dele se chamava Marta, tendo deixado os seus pais no Ceará, facto que muito chamou a atenção do seu irmão. Após ter contado aos seus pais, estes correram a procurar a mulher que poderia eventualmente ser a sua filha. O acontecimento foi dramaticamente marcante pela tremenda alegria de um reencontro efectuado após trinta anos de separação.



Nessa altura, o pai de Marta já estava muito velho e cansado e tinha as filhas todas casadas. Nesta fase, o seu feitio estava mais amansado e ele já valorizava mais a presença dos filhos. Por isso, foi com grande alegria que o meu avô recebeu a filha que ele quis casar e despachar à força como se tratava na altura um bezerro.



A minha tia Marta nunca mais viu os seus filhos que deixou na Bahia, mas teve mais duas filhas da sua segunda relação conjugal.

Passados alguns anos, o segundo marido de Marta passou a ser-lhe infiel. Todas as noites ele saia de casa e a Marta, ainda por cima, tinha que lhe deixar roupas arrumadas sobre a cama, perfume e comentar se ele estava bem arranjado ou não, para os encontros com a sua amante. Noutras vezes, ele ainda lhe pedia dinheiro…

Apesar de Marta ter sido sujeita a uma cirurgia ao coração, algum tempo depois, ele continuou sempre a fazer-lhe a vida negra, desrespeitando-a sem quaisquer escrúpulos.

A Marta, mesmo na sua recuperação, trabalhava para ajudar no sustento da casa, mas, a partir de um certo ponto, não resistiu mais e decidiu deixar o marido para morar com uma das suas filhas, fruto desta sua segunda relação, que tinha acabado de se casar. A minha tia acabou por falecer alguns anos depois.



A TRAGÉDIA DE MARÍLIA

Durante os longos anos em que a minha tia Marta esteve longe, a vida da sua família continuou enquanto os meus avós tentavam casar, o quanto antes, duas filhas mais velhas que ainda viviam com eles, uma vez que as outras duas ainda eram muito crianças. Nessa altura, a mais nova tinha apenas acabado de nascer e estava só com uma semana de idade.



A Marília, de 5 anos, linda e fofinha como se fosse uma boneca, pedia constantemente para ver a irmãzinha bebé, mas os pais não permitiam porque achavam que ela era ainda muito nova para estar perto da bebé. Porém, Marília, numa certa noite, resolveu ir espreitar a sua irmãzinha, às escondidas dos pais, mas como naquele tempo não havia electricidade na fazenda, a minha tia Marília, com os seus cinco aninhos, levou consigo um candeeiro de chaminé de vidro com querosene.



Então, ao chegar junto da sua irmã bebé, para a ver melhor, inclinou-se e, sem querer, deixou cair o candeeiro em cima da bebé, que pegou fogo em grandes labaredas. Devido à enorme extensão das queimaduras, o bebé acabou por morrer poucas horas depois nos braços da irmã que viria a ser mais tarde a minha mãe adoptiva.



O meu avô ficou completamente louco e, enraivecido, espancou brutalmente a sua filha de 5 anos, agarrando-a por apenas um braço e estatelando-a diversas vezes seguidas contra a parede da casa.

Os meus tios mais velhos, que nunca desafiavam o seu pai, tiveram de interferir rapidamente e agarrá-lo para que ele não matasse a Marília.



Marília era tão inocente quanto o bebé que havia sucumbido naquele acidente, pois apenas queria ir ver a sua querida irmãzinha. Todavia, Frederico amaldiçoou para sempre a sua pequenina filha dizendo aos gritos que ela iria morrer cheia de feridas pelo corpo todo como se fossem queimaduras, e que iria sofrer noites e noites até morrer, para então pagar a morte que ela provocou naquele bebé indefeso.

O meu avô nunca mais falou com a Marília, e os anos foram avançando até que, quando ela completou 12 anos, a deu para se casar com um fazendeiro, chamado Joaquim, que por ali passara.



Marília viveu vários anos com Joaquim, de quem teve quatro filhos, mas como não o amava, acabou por se separar dele. Após alguns anos, ela encontrou o seu grande amor, chamado José, com quem se casou. Desse casamento nasceu o seu filho André, fruto desejado e gerado no seio de um grande e verdadeiro amor.



Ela descobriu a felicidade ao conhecer José, e que durou por muitos anos. Todavia, o destino veio silenciar Marília quando descobriram, já tarde demais, que ela tinha um cancro maligno que chegou para lhe tirar a vida. Foi um final de grande sofrimento para ela, pelo peso das dores horríveis e das feridas que lhe tomaram conta de todo o corpo. A minha tia sofreu como um cão, e a toda a minha família ficou revoltada pela praga que o meu avô lhe rogou. A minha tia era um ser humano excepcional, tolerante e dedicada a todos. Ela não merecia ter tido este fim.



Na manhã do dia em que ela morreu, por caso, telefonei-lhe e ela pediu-me muito para eu perdoar a minha mãe biológica, de quem ela se tinha tornado amiga por se ter compadecido com a sua situação.

Deixando no coração de todos a saudade, o carinho, a lembrança de alguém especial, de alguém que mesmo sozinha e distante do resto da família era feliz, alegre, divertida e amiga, guerreira, mulher que lutava pelos seus sonhos, amava o pai acima de tudo mesmo sem ele nunca ter querido falar com ela.

Apesar de ter visto a sua vida interrompida pela tragédia com a bebé, que lhe assolou o seu destino, e pelo ódio do seu pai, Marília teve ainda a oportunidade de encontrar a felicidade do amor que continua hoje a ser acarinhado e chorado pelo seu amado José.



Infelizmente, o destino teve de ser ainda mais cruel para o meu tio José, porque depois de terem passado três anos sobre a morte da sua amada, um enfarte de miocárdio levou para junto da Marília o seu filho André, interrompendo a sua vida com apenas 20 anos de idade.

Hoje, a vida do meu tio José é falar deles e sobre como eram felizes… Afogado nas suas dolorosas lembranças, continua a sua vida, a rir, a chorar e a dar-nos o seu amor!



A RECUPERAÇÃO DO MEU PAI ADOPTIVO

A minha mãe adoptiva, recebeu o convite do meu pai para casar com ele e ela aceitou. Depois do casamento tentaram ter filhos, durante cerca de 7 anos, mas sem sucesso.

O meu pai, passou por uma fase muito má e tornou-se alcoólico, desperdiçando dinheiro em bebidas e com os amigos. Todo o dinheiro que eles juntavam durante um mês inteiro, ele o gastava em bebidas, chegando frequentemente embriagado a casa.

Durante esse período a minha mãe foi muito paciente e o amor que tinham um pelo outro deu-lhe forças para suportar a situação.



Foi nessa altura que eu surgi na vida deles. Fui adoptada por eles e suas vidas mudaram. O meu pai recuperou o seu sentido de responsabilidade e se tornou num marido exemplar e um excelente pai.



Agarre as palavras e siga-me...