segunda-feira, 1 de outubro de 2007

1ª Parte - Os caminhos de Célia...

Célia era uma mulher que vivia numa cidadezinha do interior do Estado do Paraná, no Brazil, onde todos conhecem a vida uns dos outros, mesmo ainda nos dias de hoje. Ela levava uma vida simples de doméstica numa casa humilde onde cuidava do seu marido e dos seus 5 filhos, entre meninos e meninas.

Célia casou-se cedo, digamos que cedo até demais, por volta de 1962. Eram tempos em que as mulheres ainda eram vistas essencialmente no papel de esposas, mães e donas de casa. Por esse motivo, ela não trabalhava fora e pensava que sua vida ia ser de dona de casa, mãe e esposa até o fim de seus dias, como naquele tempo todas as mulheres pensavam ser.

A pequena casa onde a família de Célia morava era, na verdade, um anexo da serralharia em que, Raúl, seu marido trabalhava todos os dias. O ambiente sonoro em casa misturava os sons mais domésticos com a barulheira das máquinas que cortavam e torneavam a madeira.



Raúl era um homem trabalhador mas que, como muitos outros homens, gostava de realçar a sua virilidade com o consumo de bebida e as relações amorosas com outras mulheres. Assim, Raúl, tinha uma amante, cujo facto, naturalmente, era na altura do desconhecimento de Célia.

Um certo dia, Célia foi surpreendida por um acontecimento trágico que iria mudar para sempre o rumo da sua vida.

Raúl discutiu com o seu patrão e foi despedido do trabalho, devido a um qualquer mal entendido. Então, segundo contam, Raúl chegou em casa, arrumou todos os seus pertences e foi embora, para sempre, deixando para trás a sua mulher e os seus 5 filhos.

Célia ainda permaneceu algum tempo na casa da serralharia, mas todos a olhavam com olhos venenosos, achando que ela não tinha mais o direito de ali morar pelo facto do ex-marido já ali não trabalhar e ter sido vista como uma mulher separada.

Os dias foram passando, e agora, sem dinheiro, a fome foi batendo à sua porta com 5 crianças pequenas e ninguém a ajudar. Sem trabalho e ainda morando de favor na casa do ex-patrão do seu ex-marido, acabou por tomar uma decisão dramática.



Saíu de casa com os seus 5 filhos e na praça da igreja desta pequena cidade, começou a chamar a atenção de quem passava. Então, dizendo que não tinha dinheiro e comida, e que não conseguia criar os filhos, pedia, por favor, a quem quisesse, que os levasse um a um

A cena trágica foi comovendo toda a cidade. Ela continuava firme e insistia, dizendo: - Levem-nos! Pois não posso mais deixá-los passar fome!!! Então, apareceu uma pessoa interessada em ficar com uma das crianças. Conforme contam, dava dó de ver as crianças pequenas gritando e segurando na saia e nas pernas da mãe para não as levarem. Sem entenderem nada do que se estava passando, os irmãos agarravam-se uns aos outros para ficarem unidos e impedir que levassem algum.

Esta cena repetiu-se por várias horas na praça, até que uma senhora, mãe de 2 filhos, disse que ficaria com os cinco. Esta senhora, uma moça ainda jovem, disse à Célia, perante os olhos assustados das crianças: - Eu fico com os cinco e pode seguir a sua vida, Célia, e quando quiser ver seus filhos pode vir vê-los pois estarão bem cuidados por mim.

A surpresa de Célia foi ainda maior quando se apercebeu que esta senhora, era a D. Fátima, a esposa do ex-patrão de Raúl.

Assim, a D. Fátima, levou as crianças para casa e Célia seguiu o seu caminho, pensando que assim seria mais fácil para os seus filhos.

No caminho duro que seguia, e após alguns dias, Célia recebeu uma proposta para ser mulher de limpeza de um bordel da cidade.

Ao trabalhar, Célia percebe que as mulheres daquela casa estavam bem vestidas e sempre sorrindo, eram mulheres novas e bonitas e ganhavam muito dinheiro durante a noite.

Em certa altura, o Sr. José, um cafetão da cidade, homem ordinário e de mau carácter, pergunta se ela quer fazer parte do salão à noite, e ela aceita.



A Célia era uma mulher muito bonita, vistosa, de cabelos loiros cacheados, olhos azúis e seios fartos e firmes. Assim, rapidamente, se tornou o objecto da preferência de muitos clientes, entregando-se e perdendo-se cada vez mais. A pureza, a inocência da mulher e a esperança da mãe em um dia recuperar os seus filhos perderam-se ali.

O tempo foi passando e Célia, foi ficando cada vez mais popular na cidade, tendo começado a atender os seus clientes também durante o dia. Até que, em certa altura, para sua surpresa, confrontou-se com uma grávidez inesperada, mais uma vida, mais um ser dentro de si.

Célia continuou a prostituir-se durante os seus nove meses de gravidez, até mesmo no próprio dia do nascimento do seu filho, que foi assistido por uma parteira, que era a D. Fátima, ou seja, a mesma mulher que tinha adoptado os seus 5 filhos.

A pedido da Célia, a D. Fátima ficou com esse bebê que depois deu, para adopção, a um casal da região.

A Célia continuou a sua vida de prostituição durante muitos anos e das muitas vezes que ficou grávida, deu os seus filhos à D. Fátima que, por sua vez, os dava para serem adoptados. Mas os primeiros 5 filhos de Célia, a D. Fátima continuou a criar.

Um certo dia, a Célia apaixonou-se por um homem casado que frequentava a casa de prostituição. Porém, sem esperar novamente, Célia ficou grávida mais uma vez, e o seu amante rompeu com ela afirmando que apenas ficaria se ela abortasse a criança.

Célia entrou em desespero, e começou a tomar medicamentos para tentar abortar, mas como não conseguiu, foi abandonada por aquele homem.

Durante os nove meses da gravidez, a Célia tentou abortar por várias vezes, mas sem sucesso, olhando para a criança que trazia no ventre, que era o fruto do seu amor pelo outro homem, como a responsável pela perda do seu grande amante.



Quando chegou o dia em que essa criança tinha que nascer, Célia, determinada, mesmo com enormes dores de parto, saíu do seu prostibulo e foi até à sua antiga casa, que naquela altura já estava abandonada e caía aos pedaços.

Assim que tem a criança, Célia coloca-a dentro de uma caixa de papelão, e deixa-a lá assim mesmo, e vai-se embora, abandonando aquele pedaço de gente, deixando um pouco de si para trás. No fim do dia, Célia, ainda deitada, tentando ficar em recuperação, resolve procurar a D. Fátima para lhe contar o que aconteceu e depois volta para o prostíbulo.

A D. Fátima saiu correndo à procura do bebé, com a ajuda das suas crianças, pelo quintal sujo de mato da velha casa.

Finalmente, encontra a criança recém nascida, quase sem vida, ainda suja pelo sangue do parto e coberta de insectos e muitas formigas lava pés, que arrancavam pedacinhos do seu corpo indefeso.

Conforme contou a D. Fátima, as formigas lava pés arrancaram todas as unhas dos pés e das mãos dessa criança, que ficou toda cheia de queimaduras dos venenos deixados pelas formigas. Esta pobre criança ficou com queimaduras graves e o seu estado de saúde agravou-se muito.

A D. Fátima, que nessa época já era viúva, ficou desesperada sem saber o que fazer pois não tinha condições de cuidar de mais uma criança, que, por sinal, os médicos diziam que não iria sobreviver.

Esta criança que ficou com o seu estômago muito afectado de tanta fome que passou, não podia tomar leite e apenas chá. Durante 3 meses esta criança era apenas couro e osso e tinha de ficar deitada despida sobre folhas de bananeira.

Um dia, a Carmem, mulher casada havia dois anos, e que tinha já adoptado um outro filho da Célia chamado Samuel, achou por bem levar consigo esta criança e criar os dois irmãos juntos. Contudo, o destino quis que esta mulher ficasse grávida, e assim, passados 15 dias, ela devolve a criança à D. Fátima, por não ter condições para criar três filhos.

Porém, após três meses desta criança ter nascido, no dia em que a Carmem devolve a criança, a D. Fátima entrega-a a um outro casal.

Esta criança indesejada e abandonada pela sua própria mãe, viveu durante um ano inteiro em tratamentos intensos e, em permanente perigo de vida. Todavia, sob muitos cuidados, esta criança, encontrou uma chance de vida junto de uma nova família que quis adoptá-la e dar-lhe todo o amor que ela necessitava.

Esta criança que sobreviveu à dor das mordeduras das formigas e das picadas dos insectos, que sobreviveu aos remédios para abortar, que sobreviveu ao abandono mais ignóbil da sua própria mãe, e que nasceu num dia lindo de 1973, sou eu!!!

Sim, sou eu... vertendo lágrimas de extrema dor, ainda hoje, com 34 anos, sempre que me lembro deste abandono a que fomos votados, não pelo destino, mas pelas mãos de uma mulher fria, sem escrúpulos, que interrompeu as nossas vidas.

Assim começa a minha história...

Agarre as palavras e siga-me...