sexta-feira, 21 de março de 2008

3ª Parte - As raízes dos meus pais adoptivos

A ÍNDIA NEGRA

A mãe da minha bisavó paterna era uma índia pertencente a uma tribo instalada na zona da fronteira entre os Estados de Minais Gerais e da Bahia que, em circunstâncias que desconheço, foi violada por um português de quem ficou grávida. Passado algum tempo, ela acabou por ser aceite por um índio da sua tribo, com quem casou, e que a ajudou a criar a minha bisavó, que viria a nascer na sequência desse episódio traumatizante.



Por sua vez, a minha bisavó casou com um negro africano (que na altura ainda era ou teria sido escravo) e de cuja união nasceu a minha avó paterna. Nessa altura, a tribo em que viviam foi atacada e, como resultado, a minha avó paterna teve de fugir pela selva a dentro onde passou a viver escondida como um bicho.

Um dia, o meu bisavô paterno, que era de nacionalidade italiana, ao percorrer um trilho na selva, enquanto se encontrava em viagem, descobriu esta índia e, ao ver que ela ia a fugir, atirou-lhe um laço para ela não escapar, como se estivesse a caçar um animal.

Tendo em conta a sua beleza, levou-a consigo para casa onde cuidou dela, lhe ensinou a falar português e lhe deu uma educação básica para se tornar numa pessoa civilizada, desde questões tão básicas como saber comer a uma mesa ou simplesmente tomar banho.

Entretanto, o meu avô paterno (um dos filhos do meu bisavô), nos contactos diários com a índia, apaixonou-se por ela e acabaram depois por casar. Ela, apesar de ter muitos traços fisionómicos de uma índia, era de cor de pele muito escura, resultante da mistura com os genes do seu pai, o tal negro africano que tinha sido escravo.

A recordação principal que tenho dessa minha avó é o facto de ela ser muito rude, agressiva com os outros e estar sempre acompanhada por perto da sua cachaça e de um cigarrinho feito à base de palha de milho seco.



O MEU AVÔ PATERNO

Os meus avós paternos, que viviam no Estado de Minas Gerais, tiveram 22 filhos (dos quais 6 eram mulheres), e naturalmente, o meu pai.



O meu avô paterno era um homem muito bom, mas muito rígido na educação dos filhos e toda a gente trabalhava por igual para alimentar a família, na colheita de café, no tempo em que o café era ouro como diziam os fazendeiros. O meu pai foi criado no tempo em que as crianças eram postas para trabalhar de sol a sol como se fossem empregados sem salário.



O meu avô paterno morreu vendendo frutas num mercado local no estado do Paraná com 92 anos de idade.

QUEM CORRE POR GOSTO NÃO CANSA (O MEU PAI ADOPTIVO)

O meu pai, após a sua adolescência esteve bastante tempo afastado da família, vivendo e trabalhando noutros Estados. Todavia, quando os meus avós paternos se deslocaram de Minas Gerais para o Paraná, ele regressou para junto deles. Algum tempo depois, conheceu a minha mãe e tornaram-se amigos.



Passado algum tempo, o meu pai pediu namoro à minha mãe e ela aceitou com a condição de que ele deixasse todas as outras namoradas. O problema é que nessa altura, o meu pai era muito namoradeiro e tinha sempre namoradas em várias cidades vizinhas, tendo mesmo ficado noivo de várias ao mesmo tempo. Não havia nenhuma semana que não fosse visitar pelo menos duas delas.



Quando o meu pai já estava noivo da minha mãe, depois de terem namorado durante um período apreciável, ainda tinha compromisso firmado com mais duas noivas. Na altura, o meu pai precisava de mudar de cavalo com frequência pois, para tantas deslocações, precisava de um animal sempre em excelente forma para não se atrasar nos encontros e que estivesse preparado para fugir rapidamente, nos casos de aflição, e que não foram poucos.



Escusado será dizer que, a situação do excedente de noivas acabou por ser descoberta, tendo gerado uma enorme confusão, mas depois acabou por terminar tudo bem, embora com muitos cavalos cansados…

O DESTINO DA MINHA AVÓ MATERNA

Um dia o meu avô materno que, na altura tinha cerca de 35 anos, estava de regresso à sua fazenda conduzindo, com a ajuda dos seus peões, uma grande manada de gado que tinha acabado de comprar. Então numa certa noite, pediram para pernoitar na casa de um homem que trabalhava numa fazenda. No dia seguinte, quando estavam a tomar o pequeno-almoço à mesa do tal homem, o meu avô viu as filhas dele a servirem e perguntou-lhe se ele tinha alguma filha para casar. O sujeito disse-lhe que das suas quatro filhas, poderia escolher qualquer uma, excepto a mais nova porque só tinha 9 anos.



Então, o meu avô olhou para as três mais velhas e escolheu a moça que viria a ser a minha avó, que então tinha apenas 11 anos. Passados poucos instantes, e sabendo que não poderia reagir, aquela criança assustada já estava sendo levada na garupa do cavalo do meu avô, olhando para trás de cabelos ao vento, e indo para um local desconhecido, sem perspectivas de voltar a ver, em vida, os seus pais ou irmãs.



Era uma criança, meu Deus… que ainda nem sequer tinha tido a sua primeira menstruação e nem sequer sabia o que isso era. Apenas levou a sua alma agarrada àquele corpinho de menina com as roupas que tinha vestido naquela manhã.



Apesar desta interrupção trágica da sua infância, a minha avó foi morar numa grande fazenda com bastante gado. O meu avô era um fazendeiro com muito dinheiro e ofereceu-lhe boas condições de vida em que não lhe faltava nada de material. A minha avó tinha uma dama de companhia e muitos serviçais para assegurar a realização de todas as tarefas domésticas, incluindo várias cozinheiras.



Além do mais, o meu avô era também bastante carinhoso com ela. Ele viajava muito em actividades de compra e venda de gado, encontrando-se, por vezes, afastado da sua fazenda, por semanas a fio.

Sempre que o meu avô estava fora da fazenda, a minha avó, tentava encarnar um pouco a pele de criança que lhe havia sido tão brutalmente arrancada, brincando com bonecas, que escondia quando ele regressava.



Aos doze anos, a minha avó deu à luz o seu primeiro filho, e só descobriu o que era a menstruação depois de ter sido mãe.

Com o passar do tempo, a minha avó aprendeu a admirar o seu marido e a amá-lo, pois ele era muito dedicado a ela. O meu avô Frederico era um homem bem alto, bonito e cheio de encantos. Embora eu tivesse quase três anos de idade quando ele morreu, lembro-me bem dele já velho mas bonito, com aquele bigode e chapéu de cowboy na cabeça castanho claro.



Os meus avós maternos, enquanto viveram no Estado do Ceará, tiveram 24 filhos, dos quais cinco eram mulheres. O meu avô passou a ser cada vez mais severo e tinha uma forma bastante prepotente de lidar com os seus filhos, batendo-lhes sempre pelas mais pequenas coisas com pau ou chicote. À medida que o tempo passava, revelava-se cada vez mais duro com os seus próprios filhos, tendo chegado a meter filhos homens no tronco dos antigos escravos para lhes bater com o chicote.



Agarre as palavras e siga-me...

ATENÇÂO:

O próximo capítulo de Vidas Interrompidas chamar-se-á “4ª Parte - Infâncias destruídas” e terá os seguintes episódios verídicos:

1) A fuga da minha tia Marta
2) A tragédia de Marília
3) A recuperação do meu pai adoptivo